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FANTASIO, LOGO EXISTO!

sexta-feira, janeiro 29, 2016 José Arrabal 1 Comments Category :


No início de janeiro (2016), ao vasculhar gaveta onde guardo papéis com anotações de leituras e diálogos escutados nas ruas, idéias de contos e projetos de romances, encontrei o seguinte trecho transcrito entre aspas, porém sem qualquer referência de autoria.

Vejamos:
“Creio que fantasio por insatisfação com o que de costume o senso comum proclama ser a realidade.
“Com a ficção, crente num melhor sentido para a existência individual e social, construo lugares e tramas que, através da vivência do saber, possibilitem justo desenvolvimento dessa crença.
“Fantasio com fé na benção da vida.
“Esse ato de fantasiar – prática presente em meu dia-a-dia - desse modo cumpre certo feitio mítico. Não menos livre de reverências, procura driblar as imposições naturalizadas da linguagem no comportamento da convivência humana. Quer reconstruir horizontes.
“Impedido de fantasiar a vida tornar-se-ia um pesado fardo, uma andança plena de fastio”.

A princípio imaginei que se tratava de algum pequeno trecho do romance “A Montanha Mágica”, Thomas Mann. Logo conclui que não era o caso.

Daí desconfiei que era parte de alguma entrevista de Jorge Luis Borges ou Julio Cortazar. Nada me confirmou que essa seria a razão das aspas do trecho.

Pensei em Machado de Assis. Contudo, frases de Machado, de seus personagens e narradores, costumo copiar em caderneta especial, jamais num pedaço de papel esquecido, perdido numa gaveta de casa.

Sem definir o nome do autor da afirmação entre aspas, intrigado e curioso, vi-me às voltas com velha pergunta de sempre: por que será que os homens fantasiam desde a mais remota história da humanidade?

De todos os povos antigos herdamos instigantes mitos e belas lendas, todas sabidamente fantasias...
... e não apenas os mitos e as lendas são fantasias, embora sejam fontes das mais intensas e admiráveis obras de arte que iluminam a história da humanidade. 

De fato são variadas e múltiplas as faces do hábito de fantasiar... 
... por exemplo, não há nada mais fantasioso do que ...
... considerar deus um mortal qualquer que, senhor de poder religioso, militar e político, é proclamado Faraó, divino mandante do Egito antigo, aliás inabalável “realidade” – embora evidente fantasia – na visão de mundo submissa de toda a população egípcia, escravos em sua absoluta maioria...  
... ou ainda tomar por deuses os imperadores romanos, alguns deles não mais do que cruéis assassinos, tipos dementes, paranóicos psicopatas quem sabe enlouquecidos pela ausência de limites do  poder que detinham...
... acreditar com fé que o imperador do Japão era “Filho do Sol”  
... e mesmo chamar de “Rei Sol” na Terra, ungido pelo Deus cristão, um dado Luís de sobrenome Capeto, em sua época senhor absoluto da França e dos franceses.

Outros tantos e infinitos exemplos similares aconteceram de modo fantasioso – tomado por realidade - no decorrer do dito processo civilizatório, de tal maneira que não será exagero considerarmos a história humana como resultado e obra de vastíssima ficção coletiva. 

Prática que não é primazia do passado remoto ou recente. 
Bem se sabe que em nosso tempo, neste pleno século XXI, época de sofisticadas descobertas científicas e instigantes avanços tecnológicos, outras tantas fantasias – farsas, tragédias, dramas e, não menos, comédias criadas a seu modo – produzem imagens, instauram crenças e assim justificam o poder dos mandantes que governam o destino do planeta, tantas vezes mitos medíocres e toscas lendas criadas com o propósito de manter essa carnificina das controvérsias que é a ordem social mundial entendida por progresso e civilização.

Fantasiosa situação similar acontece – sob o mesmo propósito ordenador da vida contemporânea – com o endeusamento das proclamadas celebridades construídas e promovidas pelos meios de comunicação de massa nos mais diversos recantos da atividade humana. 

Quadro de contingências virtuais em que a maior e mais absoluta - não menos totalitária - virtualidade fantasiosa plena é o dinheiro, reles tira de papel impresso (ou nas suas variantes também virtuais) em que se acredita, com a mais intensa fé, ter todo o poder no destino da vida e da morte de quem tem ou não tem. Culminância tanática, desesperadora “realidade”, presença irredutível, sedutora e macabra, nas faces das fantasias de nosso tempo.

Desde tais conclusões, com a curiosidade instigada pelo trecho entre aspas encontrado numa de minhas gavetas de papeis anotados a bel prazer, outra pergunta emergiu em meu pensamento: 

Por que não menos tenho o hábito de fantasiar em precisa constância cotidiana?
Verdade é que estou sempre fantasiando em casa ou nas ruas, sozinho ou acompanhado, em conversas com amigos ou com desconhecidos, às voltas com o que vejo, com diálogos que ouço, com lembranças ou recordações inventadas, fatias do dia-a-dia que registro, reconstruo e às vezes escrevo ao elaborar a modesta literatura de meu exercício de escritor de ficção.

Longa história para contar noutra oportunidade.
Aguardem...


Com fraterno abraço,
José Arrabal

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